Quando os católicos podiam ser maçons(?)
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Durante centenas de anos, a Igreja Católica proibiu os seus membros de aderirem às lojas maçónicas.
A Maçonaria foi denunciada por numerosos Papas, a começar pelo Papa Clemente XII em 1738, com o argumento de que promove o indiferentismo religioso.
Mas depois do Concílio Vaticano II, muitos católicos em todo o mundo ficaram subitamente confusos sobre se era permitido aos católicos se tornarem maçons.
De facto, houve um período de sete anos, na década de 1970, em que o mundo Católico Anglófono foi ensinado pelos seus bispos que, embora não fosse encorajado, era de facto permitido tornar-se Maçom, desde que fossem cumpridas determinadas condições.
Depois, ao fim desses sete anos, esses católicos foram subitamente informados de que a adesão à Maçonaria continuava, de facto, a ser proibida sob pena de excomunhão – e sempre o foi.
Este período da história está hoje praticamente esquecido. Mas uma pesquisa nos jornais católicos da época oferece um vislumbre da confusão que rodeava o tema da Maçonaria no mundo católico americano há 50 anos.
Alterações previstas: 1971-1974
Enquanto se trabalhava na revisão do Código de Direito Canónico em Roma, no início da década de 1970, tornou-se claro que havia uma antecipação generalizada de que a Igreja iria em breve mudar o seu ensino sobre a participação católica na Maçonaria.
Em Agosto de 1971, o National Catholic News Service – o serviço noticioso dos bispos dos EUA – publicou um longo relatório que previa que a Igreja iria em breve modificar o seu ensino sobre o assunto.
Com o título “As Relações Católico-maçónicas Entram numa Nova Era Amigável”, a reportagem incluía comentários de peritos de renome em Roma, incluindo o Padre Jean Beyer, SJ – Decano da Faculdade de Direito Canónico da Universidade Gregoriana em Roma e consultor da Comissão do Vaticano para a Revisão do Código de Direito Canónico. O artigo foi publicado em jornais diocesanos oficiais de todo o país.
Dois anos mais tarde, em Junho de 1973, o National Catholic News Service informou novamente que os responsáveis da Igreja estavam expectantes e a planear uma mudança no ensino da Igreja.
O artigo, com o título “Espera-se que a proibição da Igreja à Maçonaria seja flexibilizada”, revelava que os bispos católicos de Inglaterra e do País de Gales tinham enviado cartas a todos os padres do seu país, informando-os de que se esperava para breve uma “flexibilização” da proibição da Maçonaria.
De acordo com a carta da hierarquia inglesa, “parece provável que cada conferência episcopal nacional seja deixada a decidir se os maçons terão de renunciar à sua qualidade de membros para serem recebidos na Igreja, e também se os pedidos de leigos [para] se juntarem aos maçons podem ser concedidos”.
Esta notícia foi amplamente publicada nos jornais diocesanos oficiais de todo o país e continuou a ser discutida em jornais e revistas clericais entre o Verão de 1973 e a Primavera de 1974.
O consenso crescente – promovido pelo serviço noticioso dos bispos dos EUA – era que a antiga proibição seria em breve alterada.
Mudanças confirmadas: A carta da CDF de 1974
Em 18 de Setembro de 1974, o National Catholic News Service publicou uma história com um título surpreendente: “CATÓLICOS RECEBEM PERMISSÃO QUALIFICADA PARA SE JUNTAREM À MAÇONARIA”.
O texto anunciava que o Cardeal Franjo Šeper, prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, tinha enviado uma carta sobre a Maçonaria ao Cardeal John Krol, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA.
Os bispos americanos divulgaram a tradução integral da carta da CDF, juntamente com um comentário que sublinhava que agora “os leigos católicos podem aderir a lojas maçónicas que não conspiram contra a Igreja”.
O texto da carta do cardeal não afirma explicitamente que os católicos podem ser maçons. Em vez disso, afirma que os católicos só estão proibidos de aderir a “associações que conspiram contra a Igreja”.
Mas o comentário dos bispos americanos deixou claro que entendiam que isto significava que os católicos podiam, de facto, aderir a lojas maçónicas em alguns casos – que os maçons não eram intrinsecamente anti-católicos.
O texto completo da carta de Šeper é o seguinte, tal como traduzido e divulgado pelos bispos dos EUA:
Eminência,
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Muitos bispos perguntaram a esta Sagrada Congregação sobre a força e o significado do cânone 2335 do Código de Direito Canónico, que proíbe os católicos, sob pena de excomunhão, de aderirem a associações maçónicas ou outras do mesmo género.
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Durante o longo exame desta questão, a Santa Sé consultou frequentemente as conferências episcopais interessadas, para conhecer a natureza destas associações e a sua orientação actual.
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A grande divergência de respostas, porém, reflectindo as diversas situações de cada nação, não permitiu à Santa Sé alterar a actual legislação geral, que permanece, portanto, em vigor até que a nova lei canónica seja publicada pela competente Comissão Pontifícia para o Código de Direito Canónico.
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Ao considerar casos particulares, é preciso lembrar que a lei penal está sempre sujeita a uma interpretação estrita. Por isso, pode-se ensinar e aplicar com segurança a opinião dos autores que defendem que o cânone 2335 diz respeito apenas aos católicos que aderem a associações que conspiram contra a Igreja.
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Os clérigos, os religiosos e os membros de institutos seculares continuam a ser proibidos, em todos os casos, de aderir a qualquer associação maçónica.
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F. Cardeal Šeper
Prefeito
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé
A notícia foi uma sensação. A história do serviço noticioso dos bispos foi publicada em muitos jornais diocesanos de todo o país. A história foi também acolhida pela Reuters e pela Associated Press e rapidamente circulou em jornais seculares dos Estados Unidos e do Canadá.
Embora não tenha sido incluído no comunicado de imprensa dos bispos americanos, saber-se-ia mais tarde que a carta tinha a data de 19 de Julho de 1974. Parece que os bispos consideraram o assunto durante vários meses antes de decidirem anunciar publicamente a carta e publicar a história sobre o seu conteúdo.
Mudanças em Inglaterra e no País de Gales
Um mês mais tarde, uma notícia semelhante foi divulgada nas Ilhas Britânicas. Em Novembro de 1974, o Catholic Information Office (o gabinete de imprensa oficial dos Bispos Católicos de Inglaterra e do País de Gales) informou vários meios de comunicação social da mudança relativa à Maçonaria, com base na mesma carta que o Cardeal Šeper tinha enviado à hierarquia católica inglesa.
Os bispos discutiram o assunto na sua reunião anual de Outono, em meados de Novembro, e publicaram uma declaração para explicar como isto seria aplicado no seu país. Em suma, tal como tinham descrito anteriormente na sua carta de 1973 ao clero, os católicos leigos seriam autorizados a aderir à Maçonaria com a autorização do seu bispo. O texto oficial da hierarquia inglesa é o seguinte:
O cânone 2335 do Código de Direito Canónico proibia os católicos de aderirem aos maçons ou a qualquer organização semelhante, sob pena de excomunhão. Esta proibição foi imposta porque, em muitos países, a Maçonaria era considerada uma sociedade secreta que conspirava contra a Igreja e o Estado. Os tempos mudam.
A Santa Sé reviu a actual relação da Igreja com a Maçonaria. As consultas generalizadas não conseguiram produzir uma resposta uniforme dos bispos de todo o mundo, pelo que a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé disse recentemente aos bispos que a legislação universal deve permanecer inalterada, pelo menos até à revisão de todo o Código de Direito Canónico. Mas a Congregação decidiu que o cânone 2335 já não impede automaticamente um católico de pertencer a grupos maçónicos. Em casos particulares, deverá ser sujeito à interpretação restritiva aplicada à legislação penal, pelo que um católico que se junte aos maçons só será excomungado se a política e as acções dos maçons na sua área forem reconhecidamente hostis à Igreja.
Os bispos de Inglaterra e do País de Gales tomaram nota desta orientação. Desejam clarificar o procedimento nos seus países até ao momento em que a lei universal da Igreja seja reformulada. Um católico deve considerar-se, em primeiro lugar e acima de tudo, um membro da Igreja Católica, encontrando a sua inspiração para a vida cristã na Igreja e a sua comunhão no seio desta comunidade; mas se acredita sinceramente que a pertença à Maçonaria não entra em conflito com esta lealdade mais profunda, deve abordar o seu bispo através do seu pároco para discutir as implicações dessa pertença. É claro que as condições locais devem ser tidas em conta.
Um católico que no passado tenha deixado a Igreja para se tornar Maçom é instado a procurar a reconciliação. Os sacerdotes, os religiosos e os membros de institutos seculares continuam a ser proibidos pela lei universal da Igreja de aceitar a filiação na ordem maçónica ou em organizações semelhantes.
Uma nova era: 1974-1980
Após os primeiros comunicados de imprensa, houve um período de ajustamento à medida que o mundo católico se ia adaptando a esta mudança. Os jornais diocesanos publicavam regularmente artigos e editoriais que reiteravam o novo ensinamento: embora não fossem encorajados, os católicos leigos podiam agora ser autorizados a se juntar aos maçons.
Em Outubro de 1974, o Bispo Walter Curtis de Bridgeport, Connecticut, publicou uma declaração na qual recomendava que os católicos se juntassem aos Knights of Columbus em vez dos maçons, apesar da nova permissibilidade.
O colunista nacional e notável perito do Vaticano II, Pe. John Sheerin, escreveu um editorial elogiando a mudança.
O tema foi abordado repetidamente nas colunas de perguntas e respostas dos jornais diocesanos, uma vez que os leitores procuravam regularmente esclarecimentos. Por exemplo, em Fevereiro de 1975 e em Outubro de 1976, Mons. Raymond Bosler (também um peritus conciliar) abordou a questão na sua rubrica “The Question Box”, publicada a nível nacional.
Em Março de 1976, o Cardeal Terence Cooke, de Nova Iorque, discursou no 31º Pequeno-Almoço de Dedicação anual dos maçons do Estado de Nova Iorque. O serviço noticioso dos bispos dos EUA publicou uma cobertura deste “marco no ecumenismo” e recordou aos leitores que “em 1974, a Congregação Doutrinária do Vaticano emitiu uma carta dizendo que os católicos podem aderir a lojas maçónicas que não conspiram contra a Igreja. No entanto, ‘Clérigos, Religiosos e membros de institutos seculares’ continuavam proibidos de aderir […]”.
Cooke disse aos maçons que o “distanciamento entre a Igreja e os maçons no passado” se deveu em parte a uma falha de comunicação. “Muitos dos problemas do mundo moderno devem-se a estas falhas. Na caridade, devemos perdoar este erro humano. O que quer que tenha acontecido no passado, não deve afectar o nosso futuro“.
Nos anos seguintes, continuaram a ser feitas perguntas sobre a mudança. Em Outubro de 1978, uma leitora abordou o tema na extremamente popular rubrica do jornal “Querida Abby”. A colunista, Pauline Philips, era uma admiradora do Bispo Fulton Sheen e pediu-lhe que desse a resposta a esta pergunta em particular.
A resposta de Sheen foi apresentada na sua coluna – a mais divulgada em todo o mundo – e impressa em mais de 1000 jornais com cerca de 80 milhões de leitores entre Outubro e Dezembro de 1978.
“Pode um Católico ser Maçom? Isto depende”, disse Sheen. “De acordo com uma carta enviada aos presidentes das várias Conferências Nacionais de Bispos Católicos pelo Cardeal Šeper… a participação de leigos em grupos maçónicos é aceitável, desde que os grupos não sejam activamente hostis à Igreja.”
Um esclarecimento severo: 1981
Durante todo este processo, no meio de todas as declarações das conferências episcopais e das declarações dos bispos a partir de 1974, não foram emitidas declarações adicionais pela Congregação da Doutrina da Fé. Embora confusos e surpreendentes, os católicos de todo o mundo estavam gradualmente a aceitar que as coisas tinham mudado de acordo com as permissões qualificadas da carta de 1974.
Então, subitamente, em Março de 1981, o Vaticano emitiu uma “clarificação” com palavras fortes. Esta segunda declaração foi também emitida pelo Cardeal Franjo Šeper da CDF, e esforçou-se por sublinhar que a lei da Igreja que proibia todos os católicos de participarem na Maçonaria não tinha sido alterada pela carta de 1974.
Advertindo contra “interpretações erróneas e tendenciosas” da carta de 1974, Šeper declarou sem rodeios: “A actual disciplina canónica não foi modificada de forma alguma e permanece em vigor. Por isso, nem a excomunhão nem as outras penas previstas foram revogadas.”
Este esclarecimento da CDF de 1981 apanhou quase toda a gente de surpresa e causou grande confusão. Apesar de ser apresentado como um lembrete de que nada tinha mudado, parecia estar em contradição com o texto da carta de 1974.
Mesmo o serviço noticioso dos bispos dos EUA, no seu artigo de 2 de Março anunciando a clarificação de 1981, declarou explicitamente que o Cardeal Šeper tinha anteriormente dado “aprovação qualificada para que leigos católicos se juntassem a grupos maçónicos se as circunstâncias o permitissem”.
No entanto, a partir de Março de 1981, a linha oficial foi mais uma vez a de que todos os católicos estavam proibidos de participar na Maçonaria.
Seguindo em frente…
A participação em lojas maçónicas continua a ser proibida aos católicos hoje em dia.
No entanto, a Congregação para a Doutrina da Fé tem recebido numerosas perguntas sobre o assunto desde 1981, talvez em parte devido à confusão resultante da carta da CDF de 1974.
E a história por detrás da aparente mudança abrupta de tom da CDF em relação à Maçonaria nunca foi totalmente desvendada.
Será que os bispos dos Estados Unidos, de Inglaterra e de outros países não compreenderam o que o Cardeal Šeper estava a tentar insinuar na sua carta inicial? Em caso afirmativo, porque é que foram necessários sete anos para que fosse emitido um esclarecimento?
Será que a Congregação para a Doutrina da Fé inicialmente não reconheceu os maçons como inerentemente anti-católicos, e mais tarde percebeu que o grupo era de facto mais problemático do que tinha percebido?
Será que alguém no Vaticano pressionou efectivamente o Cardeal Šeper a voltar atrás na sua carta inicial?
A história do que aconteceu em Roma durante este período permanece desconhecida.
Mas, independentemente dos antecedentes, o esclarecimento oficial de 1981 foi amplamente adoptado como a política oficial do Vaticano.
Não parece que a conferência episcopal – ou qualquer bispo individual ou líder católico proeminente – tenha alguma vez abordado publicamente o assunto depois da carta de 1981, quer para pedir desculpa quer para explicar as proclamações enganadoras de sete anos antes.
A discussão sobre uma mudança no ensinamento da Igreja acalmou – embora tenha continuado a surgir periodicamente em diferentes locais, levando a esclarecimentos adicionais por parte da CDF, que se resumem todos à mesma mensagem: Catolicismo e Maçonaria são incompatíveis.
Nico Fassino
Tradução de António Jorge, M∴ M∴
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