
Maçonaria: necessidade ou farsa?
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“Onde temos razão não podem crescer flores”
(Yehuda Amichai, poeta israelense)
Às perguntas “porque é que ingressou na Maçonaria?” e “porque permanece nela?” haverá provavelmente tantas respostas − coincidentes ou não − quantos indivíduos forem questionados. A segunda indagação é mais sensível, pois pressupõe algum conhecimento interno da Ordem, enquanto que a primeira normalmente é baseada em informações externas. Poupo-me de dar exemplos de respostas que já ouvi ao longo destas três décadas, durante as quais me dediquei à Maçonaria e busquei compreendê-la. Posso afirmar, apenas, que desde o primeiro dia, mercê da minha fascinação por leitura, interessei-me pela sua doutrina e a sua história. Ainda hoje continuo interessado e, na prática, vejo que há muitos caminhos e descaminhos, visões superficiais e profundas, predominando quase sempre estereótipos com base em conceitos de fraternidade, igualdade, liberdade, aprimoramento pessoal, mutualismo, filantropia e outros tantos que fazem parte do discurso maçónico. Não faço, quanto a isto, nenhum juízo de valor. Vale dizer, abstenho-me, neste artigo, de afirmar se há acerto ou erro, se seriam válidas ou não tais concepções, pois todas elas, de alguma forma, estão inscritas ou decorrem da vasta doutrinação maçónica.
Mas outra indagação, que me parece ser bem mais importante, poderá ser feita. Será que essa compreensão relativamente estandardizada explicaria a subsistência da Maçonaria nestes quase três séculos? Explicaria por que homens tão diferentes entre si, quer no plano social, económico, ideológico, emocional, profissional, psicológico, político, religioso e tudo o mais, se disponham a reunir-se em Lojas para formar grupos fechados, segregados periodicamente da grande sociedade? Porque é que estes indivíduos tão distintos entre si se submetem a ritualismos, mitos e simbologias totalmente diversos da objectividade do seu quotidiano, a ponto de serem até ridicularizados por quem estivesse de fora os observando pela primeira vez?
Pois bem. A Loja Maçónica Fraternidade Brazileira de Estudos e Pesquisas, do Oriente de Juiz de Fora-MG, sugeriu para o seu XV Encontro de Membros Correspondentes o tema “O que podemos fazer para sentirmos a Maçonaria mais forte e unida?”. Diria com mais ênfase, ainda, “o que podemos fazer para torná-la efectivamente mais forte e unida”, e não só para “sentirmos” que ela assim o seja, embora reconheça que antes do “agir” é preciso “ser” (agere sequit essere). A resposta para mim é muito clara e está intimamente ligada não só àquelas duas questões colocadas no topo deste artigo (por que ingressei na Maçonaria e por que permaneço Maçom?), mas principalmente à compreensão da subsistência secular da Ordem, que tem reunido sob si tamanha diversidade de individualidades, as quais, se contrapostas em qualquer outro ambiente, provocariam fatalmente conflitos destrutivos. Óbvio, portanto, que, “interna corporis”, a Maçonaria jamais poderia ser palco destes conflitos destrutivos, provocados pelo confronto de individualidades. Ela deve ser o lugar e o instrumento adequado para superar, racional e inteligentemente, os antagonismos. Esta é a conclusão mais elementar e prática que se poderia supor para que a Maçonaria seja efectivamente forte e unida. Mas, para além da sua peculiar metodologia de instrução e fundo doutrinário, qual seria a razão subjacente e poderosa, sob cuja base indivíduos tão diferentes se unem sem abdicar da sua individualidade? Este substrato deve necessariamente existir e, portanto, ser identificado. Caso contrário, acabar-se-ia por incorrer, mais cedo ou mais tarde, numa grande farsa funcional, por conta daqueles que estariam assumindo posturas rituais por mero mimetismo ou conveniência, deixando-se levar pelo comodismo e abstendo-se de questionar ou, o que é pior, reproduzindo formas desprovidas de conteúdo.
A velha e boa lógica ensina-nos que a compreensão (conteúdo) das ideias está na razão inversa da sua extensão (conjunto de sujeitos a que convêm). De igual maneira, pode-se dizer (e isto está nas lições de aprendiz) que, em matéria de saber, a qualidade é preferível à quantidade. No mundo actual, em que se abate sobre nós uma tempestade ininterrupta de informações acerca de tudo e sobre todas as áreas conhecidas e desconhecidas, é fundamental que não se sucumba sob essa nova modalidade diluviana. Sem perder de vista o avanço do conhecimento, a saída sensata é buscar pelos princípios das coisas, a fim de reorganizar o pensamento e orientar as nossas acções. Será preciso deixar de lado tudo que é acidental e ater-se ao essencial. Penso que o ponto fundamental que está na génese da Maçonaria sempre foi e será a necessidade que tem o ser humano de se encontrar com outros seres humanos, num nível de intimidade que lhes possibilitem confrontarem as suas experiências pessoais, de maneira respeitosa e segura. Tal encontro será tanto mais proveitoso quanto mais heterogéneo for o grupo.
Para mim, este é o ponto central do círculo maçónico; aquele que tem sustentado esta sociedade particular, separada da grande sociedade civil. A partir desse encontro íntimo será possível a conciliação dos opostos e transcender as diferenças pessoais, mobilizando-se a massa crítica resultante em prol de finalidades escolhidas, as quais dependem do mesmo processo de confronto das ideias. No começo do Século XVIII, a Maçonaria estabeleceu-se como um “centro de união” (cf. artigo 1°, das Constituições de Anderson), onde indivíduos de qualquer raça, credo ou ideologia poderiam superar as suas diferenças e construir um ambiente de concórdia, firmado num compromisso mínimo acerca de religião e ética. Alguém poderá dizer: mas hoje as coisas são bem mais complexas, pois não se trata de conciliar somente pessoas, mas sim enfrentar antagonismos entre valores (banalização de condutas criminosas, públicas e privadas), instituições e até mesmo nações. É verdade, mas na base de tudo isso sempre estará o homem. E é a natureza humana o material com o qual trabalha a Maçonaria. O sucesso desta dependerá do nível de compreensão e envolvimento que tiverem os seus membros em relação à realidade (o que é de facto) e ideais (o que pretende ser) da Ordem, coisas que bem podem estar em contradição. Aqui tangenciamos um aspecto delicado e muitas vezes evitado: enfrentar as contradições da Maçonaria, que as há seguramente, e discuti-las em profundidade, pois essa postura é vital para a sua compreensão. Observe, por exemplo, que a Maçonaria originou-se e mantém a sua vertente estrutural no valor do trabalho (obreiros medievais da construção laica e religiosa), e subsiste num mundo capitalista, mais que nos socialistas. Diz-se dela que é adogmática, mas institui postulados que não podem ser questionados ou alterados. Prega a igualdade, mas segrega.
Aparente ou não, essas são algumas dentre outras tantas contradições que sempre deverão ser pensadas em profundidade, sem receio de ser considerado “herético”. Está na origem daquela necessidade básica do ser humano, pensante, de encontrar um ambiente seguro e íntimo, onde possa expressar as suas experiências e dúvidas, sabendo de antemão que colherá, dos seus parceiros, igual consideração. Enfim, para usar uma expressão corrente no profissionalismo de qualquer área, é preciso melhor “qualificar” o Maçom. Afinal, a sua “qualificação” como pedreiro ou canteiro, no período operativo, não deu lugar à forma especulativa actual, vinculada à tradição operária? Nada mais sensato, portanto, do que se investir na qualificação dos maçons especulativos, também. Se a Arte Real é a arte do pensamento, forjemos ou busquemos estão os pensadores, pois é disso que a Maçonaria mais carece hoje, tal como em outros momentos da sua história. Cumpre directamente às Lojas a responsabilidade não só pela selecção dos profanos, como também − e principalmente − pela sua formação maçónica, cujo fundamento é a liberdade de pensamento e de expressão, no ambiente respeitoso e seguro que a Loja Maçónica pode propiciar. Neste sentido, é de importância vital para a saúde da Ordem e da sua doutrina a existência e actuação permanente das chamadas “Lojas de Pesquisa ou de Estudos Maçónicos”, produzindo, orientando, estimulando e divulgando trabalhos de interesse para Lojas e maçons.
A Maçonaria está estruturada de tal forma que as ideias podem e devem ser confrontadas, pois é desejável e necessário que os maçons tenham fortes compromissos com ideais claros e propostas concretas, defendendo-os ao lado dos seus irmãos, quando com eles identificados, ou mesmo em oposição a eles, quando honestamente acreditar na sua verdade. Respeitado o ritualismo essencial das sessões maçónicas, que traz consigo ordem e disciplina, não há outra restrição para que as ideias sejam expostas e defendidas mediante argumentação racional, até mesmo quando não sejam agradáveis ou simpáticas a outros maçons. Estabelecer esse nível de compreensão da Ordem, no meu modo de ver, é fundamental para o seu aprimoramento como instituição sempre actual e, consequentemente, fautriz de transformações sociais. A Maçonaria faculta aos seus adeptos o lugar físico, o ambiente propício, os meios e instrumentos, simbólicos ou não, e o tempo necessários para que os indivíduos se encontrem num nível de intimidade e segurança tal que possam confrontar as suas experiências e ideais, ao ponto de se tornarem vulneráveis em defesa de ideias que transcendem os interesses pessoais.
É, portanto, impensável a Maçonaria sem o momento da Loja justa e perfeita, dirigida pela sabedoria, sustentada na força da razão e ornada pela beleza dos sentimentos votados ao bem social. Por isso, concordo plenamente com Leo Apostel, no seu inspirador ensaio filosófico sobre a Maçonaria, e tomo a liberdade de fazer minhas as suas palavras, quando afirma que “Fora de Loja, os maçons, como tais, não precisam, portanto, estar ligados, obrigatoriamente, por laços de amizade pessoal, ou por um propósito comum de vida; muito pelo contrário. A profundidade do ideal maçónico, como eu o vejo, deve evidenciar mais nitidamente pelo respeito mútuo e simpatia de antagonistas (pessoais, sociais ou ideológicos).
Com isso quis também enfatizar a poderosa fonte de energia, renovável e inesgotável, dessa verdadeira usina de ideias que está implícita na compreensão e prática da Maçonaria, nesse ambiente especialmente preparado para que individualidades superem as suas diferenças e, do confronto de ideias, ampliem as formas de ver o mundo circunjacente e descubram as soluções possíveis para os problemas sobre os quais se debruçarem.
Antonio Carlos Bloes, M:. M:.
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